
Em meios aos intensos debates sobre os limites da “arte” — na ótica de quem entende que toda e qualquer manifestação tenha tal condão, e por isso, não comporta qualquer tipo de censura — e da “liberdade de expressão” — como a decisão da justiça que proibiu o ator Alexandre Frota e os líderes do MBL em se referirem ao cantor e compositor Caetano Veloso como “pedófilo” — o Superior Tribunal de Justiça resolveu colocar uma pá de cal sobre a questão do estupro de vulnerável.
As seções de direito penal e de direito privado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovaram três novas Súmulas. Na Terceira Seção (de Direito Penal), foi aprovado o Enunciado 593, que trata do estupro de vulnerável:
Súmula 593: O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.
Vale anotar que o STJ faz referência ao art. 217-A do Código Penal — dispositivo este, inserido pela Lei nº 12.015/2009, resultante de Projeto de Lei (PL) que fora aprovado na conclusão dos trabalhos da chamada CPMI da Pedofilia — que acabou por criar uma nova figura criminal denominada estupro de vulnerável:
Estupro de vulnerável
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§ 2o (VETADO)
§ 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4o Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
Após quase uma década de vigência, a intepretação de tal dispositivo começou a sofrer relativizações em alguns casos concretos, conforme selecionado abaixo:
- “Toque não pode ser considerado estupro de vulnerável” (Migalhas, 9.ago.2017)
- “Policial que ‘namorava’ menina de 13 anos é absolvido do crime do estupro” (Midimax, 08.mai.2017)
- “Para juíza de Goiás, sexo consentido com menina de 13 anos não é estupro” (Consultor Jurídico, 5.mar.2016)
- “No interior de SP, jovem de 18 anos que engravidou namorada de 13 é absolvido” (Consultor Jurídico, 25.ago.2015)
- “Homem é absolvido após relacionar-se com garota de 13 anos que omitiu idade” (JusBrasil, 7.out.2014)
- “Tribunais absolvem acusados de sexo com menor, apesar de nova lei” (G1 Brasil, 20.mai.2012)
Apesar das Súmulas do STJ não possuírem o chamado efeito vinculante — isto é, devem ser obrigatoriamente aplicadas por todos os juízes das instâncias inferiores — o Superior Tribunal parece querer dizer que, daqui para frente, todas os recursos que forem julgados naquela Corte, receberam o mesmo desfecho: o reconhecimento da ocorrência do estupro, quando a vítima for menor de 14 anos, a despeito de que possa ter havido:
a) sexo consentido (ou seja, sem violência ou grave ameaça);
b) envolvimento amoroso (vítima e autor eram “namorados” ou “ficantes”);
c) vítima sexualmente ativa (p. ex.: o sexo só ocorreu porque a vítima já se prostituía, antes mesmo de completar quatorze anos).
O que são súmulas?
Tais enunciados são o resumo de entendimentos consolidados nos julgamentos e servem de orientação a toda a comunidade jurídica sobre a jurisprudência do tribunal.
As súmulas serão publicadas no Diário da Justiça Eletrônico, por três vezes, em datas próximas, nos termos do artigo 123 do Regimento Interno do STJ.