O vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, a ministra Cármen Lúcia e os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes participaram, nesta segunda-feira (27), do I Congresso Digital Covid-19 – Repercussões Jurídicas e Sociais da Pandemia. A conferência é promovida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com seis salas de transmissão simultânea, 168 painéis, 17 conferências magnas e 513 palestrantes nacionais e internacionais.
Na abertura do congresso, pela manhã, o presidente do STF, ministro Dias Torroli, destacou a atuação do Judiciário na redução dos impactos da pandemia.
Efeitos sociais e jurídicos
O ministro Luiz Fux destacou, em sua explanação, que as repercussões sociais da pandemia vão desde a solidariedade demonstrada pelos brasileiros diante do estado de calamidade pública até a necessidade da flexibilização do teto de gastos públicos e os casos de desvio de recursos destinados ao combate à Covid-19. Sobre as repercussões constitucionais, o ministro frisou a decisão do STF sobre a competência concorrente dos estados para zelar pela saúde pública junto com a União, de forma a assegurar a autonomia administrativa, financeira e judiciária dos entes federados. Lembrou também a decisão que permitiu a readequação dos contratos de trabalho para a preservação de empregos durante a pandemia.
Fux pontuou a necessidade da busca da conciliação para a preservação dos contratos, de forma a evitar a sobrecarga do Judiciário, e afirmou que a segurança jurídica é particularmente importante no momento, o que ressalta a necessidade de teses jurídicas que pacifiquem entendimentos.
Para o vice-presidente do STF, também há repercussões na área penal e abusos na interpretação das recomendações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre o tratamento da população carcerária durante a pandemia. Como exemplo, citou um caso de violência doméstica em que o agressor foi colocado em prisão domiciliar em decorrência dos riscos da pandemia e depois matou a companheira. "Coronavírus não é habeas corpus", afirmou.
Por fim, Fux destacou a importância da tecnologia nesse período e afirmou que, em sua gestão na Presidência do STF, vai incrementar as ferramentas digitais para a prestação jurisdicional, com o uso de inteligência artificial.
Liberdade de expressão e fake news
Ao falar sobre o tema, a ministra Cármen Lúcia destacou que, com a evolução da internet, é imprescindível estabelecer limites e responsabilidades sobre as manifestações e informações divulgadas, de forma que não gerem desinformação. Segundo ela, um dos maiores desafios é fazer isso sem que essas limitações representem qualquer forma de censura. A ministra defendeu a educação como instrumento de libertação e de combate à desinformação. "O civismo digital precisa ser exercido com responsabilidade", afirmou, ao cobrar essa responsabilidade também das plataformas digitais sobre seus conteúdos.
Cármen Lúcia foi enfática ao afirmar que não cabe censura, mas que as plataformas têm o dever avaliar o que é postado em seus espaços, para que não abriguem práticas criminosas e evitar que o mundo virtual se torne um "faroeste digital". Na avaliação da ministra, a desinformação e as fake news comprometem as instituições e a própria democracia. "Nesse tempo de pandemia, a desinformação compromete não só a liberdade, mas também o direito à saúde", destacou.
Ela acrescentou que a imprensa vem cumprindo exemplarmente o papel de informar com segurança e responsabilidade e afirmou que é preciso assegurar o que se conquistou até agora em termos de liberdade, pois se trata de "produto de primeira necessidade".
Crise multidimensional
O ministro Luís Roberto Barroso, em sua conferência, afirmou que a crise decorrente da pandemia da Covid-19 é multidimensional e ultrapassa os aspectos sanitários, financeiros e econômicos. “É um fenômeno que afeta o mundo inteiro e em múltiplas áreas da atuação humana”, ressaltou. “É como se estivéssemos diante de uma guerra com centenas de milhares de vidas perdidas”.
Barroso salientou que, apesar de o Supremo ter recebido diversas ações questionando medidas do governo federal no combate aos efeitos da pandemia, poucas foram acolhidas. Uma das principais decisões foi a que aplicou o princípio federativo e reconheceu que os três níveis de governo têm competência para adotar medidas de combate à pandemia e fornecer soluções adequadas à realidade local. Ele também destacou a determinação para que os dados da pandemia fossem divulgados de forma clara, para possibilitar a elaboração de medidas compatíveis com a situação. Outra decisão importante, a seu ver, foi a que suspendeu a veiculação da campanha “O Brasil não pode parar, que visava estimular o retorno às ruas e ao trabalho, num momento em que as autoridades médicas e científicas recomendavam o isolamento social. “A política pública de convocação das pessoas ao trabalho e às ruas poderia produzir um genocídio, sobretudo nas comunidades pobres. Portanto, em nome do direito à vida e à saúde, o Supremo impediu a divulgação dessa campanha”, frisou.
De acordo com o ministro, a pandemia coloca pressão sobre as instituições, pois as medidas propostas pelo Executivo para mitigar os efeitos da crise nem sempre são aprovadas pelo Legislativo, ou sofrem alterações durante a tramitação. Em relação ao Judiciário, ele observou que, como o papel da Constituição é dar limites ao poder, em qualquer democracia haverá um grau de tensão entre as Supremas Cortes, responsáveis por interpretar as normas constitucionais, e o Executivo, em razão de decisões que contrariem seus interesses, especialmente neste momento de pandemia.
Aperfeiçoamento da democracia
No início da noite, ao participar do painel “O semipresidencialismo como opção para o Brasil”, o ministro Gilmar Mendes disse que é necessário refletir de maneira responsável sobre uma possível mudança de sistema, a fim de haver um aperfeiçoamento do sistema democrático brasileiro. Segundo ele, devem ser levadas em consideração as limitações existentes nos dois modelos (presidencialista e parlamentarista) e a representação múltipla de partidos, que dificulta a presidencialismo de coalização e exige um diálogo muito mais efetivo com o Congresso Nacional.
O ministro lembrou que houve um grande período de instabilidade do sistema presidencialista no país, uma vez que, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, dois presidentes da República sofreram processo de impeachment. Para ele, essa instabilidade institucional é muito significativa e precisa gerar avaliação e amadurecimento sobre a possibilidade de mudanças futuras, como a distinção entre os papeis exercidos na chefia de Estado e de Governo, com funções bem definidas.
Mendes observou ainda que os presidentes da República que permaneceram no poder, por não terem sua governabilidade comprometida, foram os que conseguiram estabelecer alguma forma de diálogo com o Congresso, uma das instituições mais fortalecidas no texto constitucional de 1988. No sistema semipresidencialista, cuja discussão ele defende, estabelece a realização de eleições direitas para presidente da República (chefe de Estado), mas confia a um primeiro-ministro eleito pelo Congresso Nacional as incumbências da chefia de governo (atividades administrativas).
(AR, PR, EC//CF)
Source: STF